Começamos
este programa “carinhosamente dedicado ao sexo” – como se ele pudesse ser
dedicado a qualquer outra coisa com esse nome – de forma moderada, quase
recatada. Café Regular (Ritesh Batra),
uma co-produção entre Índia e Egito, retrata uma conversa entre um casal num
café. Nada que fuja da normalidade, mas o fato da mulher ter ouvido um casal
estrangeiro falando sobre sexo no trem de volta pra casa – até o ponto em que
ela mudou de lugar de tanta vergonha – inicia no casal uma reação incomum. Num
esforço perceptível, como se tivesse que brigar com ela mesma e os outros para
liberar sua energia sexual reprimida, a mulher declara querer fazer sexo -
coisa que em dois anos de relacionamento eles ainda não fizeram - com ele antes
do casamento. Ele recusa a proposta inicialmente, chegando a ficar ofendido e
envergonhado de ouvir aquilo da boca de sua futura esposa, e a alerta dos
perigos de perder a virgindade – ou seja, o valor – antes do casamento. Mas ela
o convence – ou melhor, o seduz -, tomando as rédeas da situação de um jeito
incomum de se ver numa mulher de burka – acessório que, por sinal, ela insiste
em manter durante o sexo -, e exige condições que se confundem entre a timidez
e fetiche. Café Regular perde um
pouco de seu impacto em meio ao crescendo
de energia sexual do programa, mas convence em sua simplicidade, dando
esperanças de que algum dia o desejo feminino não seja tão reprimido no Egito –
e em tantos outros países – a ponto de uma mulher passar por tantos riscos ao querer
fazer sexo com o noivo – após dois anos de noivado, é sempre bom lembrar -,
enquanto o noivo declara sem ressentimentos que se fosse outra mulher – uma pra
não casar – era só levar pra casa de um amigo e pimba, fácil, fácil.
Mike
Sullivan, personagem principal do curta americano Os Robôs (Matt Lenski), também parece carregar dentro de si uma
montanha de energia sexual, mas arranjou um jeito eficiente – pra não dizer
peculiar – de controlá-la. Há 15 anos, Mike dedica sua vida a fazer um filme de
robôs em stop motion. Pouco tempo depois teve a ideia de torná-lo um filme de
sexo, uma ótima metáfora para os humanos, segundo ele. Mike guarda na parede
algumas fotos de belas mulheres – amigas ou namoradas que nunca teve -, e é com
um leve toque de tristeza que constata sua solidão. Mas Mike não tem tempo para
ficar triste, já que construir todo aquele mar de pequenos robôs é a única
coisa que ele consegue se ver fazendo. Chegam a ser hilários os momentos em que
ele mostra - num tom que sugere ao mesmo tempo orgulho e auto-piedade - partes
de sua interminável coleção de robôs: fêmeas e machos, cavalos e máquinas,
muitos já empoeirados, todos construídos de forma a facilitar o sexo entre eles
– e dá-lhe fuckable pussies e butts. Não se mostra quase nada do filme
de sexo robô propriamente dito, mas a visão da imensidão orgiástica dos robôs
de Mike já entrega a mensagem por si só.
Essa
necessidade de descarregar energia sexual é uma coisa que os adolescentes que
protagonizam Este Não É Um Filme de
Cowboys (Benjamin Parvent) parecem longe de ter. A ação é focada em duas
frentes: o banheiro masculino e o feminino, cada um com uma dupla, e em ambas o
que repercute é a exibição do filme Brokeback
Mountain (Ang Lee, 2005) na TV na noite anterior. No masculino, Vincent
resolve compartilhar a experiência de ver o filme com o amigo Moussa, e a cada
frase sua é como se ele desafiasse e redescobrisse a sua própria sexualidade,
ainda que ele raramente perca o medo de ter aqueles sentimentos – e
principalmente expô-los – ou que outras pessoas fiquem sabendo daquilo. Essa
necessidade de manter as aparências parece ser mais importante na adolescência
que em qualquer outra fase da vida, e o filme demonstra bem isso quando outro
menino aparece de repente no banheiro, e os dois param a conversa imediatamente
e começam a agir de modo a não deixar que desconfiem de sua masculinidade. O
impacto do diálogo das meninas é menor, já que não é a sexualidade delas que
está em risco a cada reação, cada palavra. Enquanto Vincent sofreu para admitir
sua empatia com os personagens – a ponto de chorar no final -, as meninas já
admitem logo de cara que viram – e gostaram – do filme, e o único problema é o
fato do pai de uma delas ser gay. Problema pequeno, aliás. O preconceito de uma
com o pai gay da outra é exposto e até facilmente resolvido. O problema maior
será de Vincent, que terá que lidar com a descoberta de uma sensibilidade nova,
e com a aceitação de Moussa, já que Brokeback
Mountain não é um filme de cowboys – pelo menos não heterossexuais -,
afinal, mas a barreira pode ser posta entre ele o espectador está no
preconceito de cada um, preconceito que até um adolescente é capaz de evitar,
ainda que não pareça ser capaz de entender.
O
curta Bonde (Michaela Pavlátova)
retrata o que parece ser um dia rotineiro na vida de uma condutora de bonde.
Ela entra no bonde, dá partida, o bonde passa pelas estações, entram nele
homens idênticos com seus rostos sérios e suas capas cinzentas, os homens
descem do bonde, e ela volta pra casa. A princípio, nada anormal. Mas por trás
da condutora que os passageiros mal veem há uma mulher que faz questão de
passar batom vermelho antes do expediente, e se contorce de prazer a cada
entrada de um passageiro novo. Acompanhados pela música que marca de maneira
ótima o ritmo pulsante do filme, entramos nas fantasias eróticas da condutora,
que se contorce de prazer a cada passageiro que entra e a cada movimento de
alavanca, se deliciando com a visão de uma infinidade de paus rosas saindo de
cada passageiro, expondo cada vez mais o corpo para mostrar um par de seios
generosos e olhos já marcados pelo êxtase. Infelizmente para a condutora, o
espectador é o único que a acompanha, e ela termina sua fantasia de forma
abrupta – quase batendo o bonde – e vergonhosa, já que o susto que o solavanco
propicia aos passageiros é o único momento em que eles a notam, quando ela está
assustada e quase sem roupas. Um dia ela encontra um passageiro de olhar tão
tímido mas cheio de desejo quanto o seu. Ele a vê, e ela é finalmente saciada -
no escuro -, dando um final feliz para essa divertida animação. Enfim uma
expressão sem pudores do desejo feminino, um alívio nessa imensidão de peitos e
bundas de mulheres alvos do desejo masculino que povoa a produção cultural mundial.
Surra de Pêia (Jean-Baptiste Saurel) é definitivamente
um produto do cinema – e de seu imaginário -, principalmente dos filmes de kung
fu e pornô. Mas este é um mundo diferente, como expressa a fala da personagem
Sonia, que diz que os tempos de sexo desajeitado e preliminares intermináveis
acabou, as zonas erógenas migraram, e o ponto alto do negócio agora é levar uma
bela caceteada (ou surra de pêia), ganhando assim um orgasmo instantâneo. E o
homem perfeito para o trabalho é o astro do pornô Ti-Kong, com seu pau
hiperdesenvolvido, às vezes ocupando tanto espaço na tela que chega a ser
egoísta. Quem não gosta da ideia é Francis, dono da locadora de filmes pornô em
que a linda Sonia trabalha. Ele morre de desejo pela empregada, mas, inseguro
em relação a seu pau, morre também de vergonha de se revelar. Mas isso muda
quando Sonia aceita participar do próximo filme de Ti-Kong, e Francis precisa
superar sua pequenez para salvá-la da monstruosidade de Ti-Kong. Permeando toda
essa estória de redenção do homem de pau pequeno está um casamento feliz entre
humor e sexo que diverte o espectador com uma mistura hilária de montagem
fluida e diálogos rápidos, um amigo negro e engraçado que se torna quase um
mestre de kung fu, um herói retraído que se revela mais forte que o vilão, uma
mocinha que mistura luxúria e inocência, chinesas que não servem para nada a
não ser apanharem e falarem coisas que ninguém entende, e uma tranquilizada
básica aos homens que, como Francis, se sentem inseguros em algum nível com
relação ao tamanho de seus membros, sejam seus rivais o absurdo Ti-Kong ou só o
Ricardão.
É
natural que, neste grande crescendo
de energia sexual que é Encaixe Gostoso, o programa se encerrasse com Four Play: Tampa (Kyle Henry), um grande
deboche cheirando a purificador de ar e esperma, um mais que outro. Este curta
americano, como é de praxe, começa falsamente inocente e pueril, com um jovem –
aparentemente latino – indo ao banheiro do shopping após um gorduroso prato de
pizza, e se aliviando no mictório. O jovem espia os outros homens com olhos
curiosos, no que remete à paranoia em relação ao tamanho do pacote abordada em Surra de Peia. Mas aos poucos a fachada
e a discrição vão dando lugar ao desejo, e os homens passam a se masturbar e se
chupar, até serem interrompidos pela entrada de mais alguém no banheiro. Numa
sequência de cenas que chega a ser repetitiva, mais e mais visitantes vão
entrando no banheiro e se juntando à brincadeira, deixando o protagonista cada
vez mais nervoso e excluído. O filme se embebeda – até demais – em sua própria
loucura transgressora, num crescente incontrolável que contamina todos os
inúmeros convidados da orgia, desde Hitler até um travesti vestido de Carmem
Miranda, menos o protagonista. Ele não participa do banho coletivo de esperma,
e permanece desolado em seu vaso sanitário, até ser salvo por Jesus Cristo em
pessoa – como era de se esperar -, que enfim lhe concede o divino orgasmo. O
filme diverte – não sem deixar de ser previsível e exagerado em alguns momentos
- através do choque, sendo a sua prova maior o fato de alguns espectadores
terem aguardado alguns minutos antes de irem ao banheiro após o término da
sessão – suponho que os realizadores do curta tenham um sorriso de triunfo ao
saberem disso.